Terça-feira, 30 de dezembro de 2014, Florença, Itália.
Último dia em Florença, a cidade do renascimento onde ela continuava a
parecer morrer. Era como se o tempo todo e a qualquer momento fossem lhe saltar
as lágrimas. Ele só pensava em descansar bastante, percorrer o máximo o que lhe
interessasse e satisfazer seus instintos primitivos. Abastecia-se de comida,
cultura e sexo sem carinho e sem compromisso. O que mais um homem poderia
querer?
Ela fazia de tudo para agradá-lo, mesmo quando isso a deixava cansada e
infeliz. Ela que esperava ser acordada com beijos e um cappuccino, via-se a
buscar o café dele na padaria mais próxima. De agradecimento? Uma reclamação por
ela ter esquecido o açúcar. Cada vez que fazia algo errado, ela sentia-se mais
idiota. Por mais que se empenhasse, ela nunca fazia algo completamente certo,
simplesmente não conseguia concentrar-se em absolutamente nada mais que na própria
desilusão e na rejeição sofrida pelo amor que ele tanto cultivara e para o qual
já não dava a mínima, antes, lhe era incômodo.
Era o último dia ali e ela juntava forças, não sabia de onde, para levar
algo bom de tudo aquilo. Na terra das ideias que salvaram o mundo da ignorância
e o encheram de beleza, ela esforçava-se para encontrar em si algo de belo e
para salvar sua alma da própria tristeza.
Estiveram todo o dia a passear por igrejas, museus, ruas lindas e
estreitas da formosa Florença. Alguns risos naturais escapavam dela às vezes. Havia
sido um bom dia, não podiam negar. Ele até a presenteara com um livro, um livro
de Neruda, “Confieso que he vivido”, era o que ela sonhara dizer ao fim daquela
viagem que prometera ser a viagem da sua vida.
De volta ao hotel, a promessa de voltar a sair e despedir-se da cidade
fazia-se difícil. A cama aconchegante os abraçava com total entrega, mas
desvencilharam-se dela e enfim saíram. Nova briga. Ficaram estagnados. Ele negava-se
a oferecer-lhe o braço numa simples atitude de cavalheirismo e cuidado. Ela quedava-se
a perguntar em que momento o “todavia me puedes tomar del brazo”, dito em
Madri, havia-se transformado em “no me jodas”. Só lembrava que havia sido
rápido demais e ela não pudera acompanhar. Por fim, o impasse se desfez, apesar
dos pesares, ela não queria destruir aquela última noite e, como sempre, cedeu.
A cerveja deixava as coisas sempre mais tragáveis, mas ela se embriagava
rápido demais e nunca o acompanhava. Ele bebia, bebia, e punha-se a falar das
mulheres que amou, às quais, ela sabia, nunca se equipararia. Ela ficava a
ouvir tudo, pacientemente, só para mirar-lhe os olhos, que diferentes dele,
eram extremamente doces e tinham uma cor só conseguida quando um fio de mel é
tocado por um raio de sol. Poderia passar horas apenas olhando aqueles olhos,
incansavelmente.
Ao fim da noite, em meio à madrugada fria do inverno italiano e ao gelo
dos seus pensamentos sombrios, ela foi tomada por um beijo, um beijo suave,
longo, carinhoso. Fê-la lembrar-se do primeiro beijo, quando o céu abriu-se
para ela. As lágrimas vieram brincar nos seus olhos, mas ela não as deixou
cair, negou-se. Estava feliz, feliz! No hotel, seguiram-se outros beijos. Já não
havia frio, seu corpo nu passeava pelas mãos dele, entregue, como se houvesse
morado ali uma vida inteira, e carne e carne se cruzaram num prazer inefável, indizível.
No chuveiro, novamente ela não acreditou quando ele a beijou e deixou-se estar.
Entregou-se tanto que perdeu o medo, esqueceu-se da dor e da mágoa e quando
tudo parecia perfeito e renascido, o dia amanheceu fazendo com que ele recuasse
e desse a ela de bom dia uma dose de arrependimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário