quinta-feira, 5 de março de 2015

A arte do desencontro

Sábado, 27 de dezembro de 2014, Veneza, Itália.

A viagem para a Itália não teve nada de sonho europeu, foi antes de tudo um pesadelo. Saíram de Paris atrasadíssimos e ela ainda pensou haver esquecido a câmera no hotel. Não havia. Andava tão aérea em meio àquela aura de desejos reprimidos e sonhos esmagados que esquecera que havia posto a câmera no bolso da jaqueta. Ela se odiou, ele a odiou. Ela se sentia tão mal que mesmo sendo muito cética, pedia em pensamento o tempo todo: por favor, que cheguemos a tempo.
Por fim, chegaram a tempo, a tempo demais. O voo atrasou cinco horas, cinco horas em que eles tiveram de ficar ali a odiar-se mutuamente. Durante anos, eles tiveram o que dizer por horas seguidas, quase que diariamente, e eles nem se conheciam... Agora eles estavam frente a frente há apenas dez dias e lhes escapava pouco mais que um olhar de reprovação e tristeza. Ela então trocou o olhar vazio por papel e caneta e transformou em poema toda a sua desilusão. Em meio a tanta espera, ela não encontrou o ombro da noite anterior. Era já outro dia.
Chegaram a Veneza à noite, uma noite gelada, com pouca luz e de comunicação reduzida. Ninguém falava a língua deles. Foram indo meio levados pelo vento e quase não encontraram o hotel. A cidade era um labirinto congelante em ruínas. Ela não encontrava melhor palavra para descrevê-la que ASSUSTADORA.  Era inverno na romântica Veneza e o único pensamento que ela conseguia ter era: os dedos dos meus pés estão congelando! Por fim, ele encontrou o caminho. Era muito bom nisso, talvez decodificasse o caminho em números.

No hotel de calefação inibida, eles dormiram abraçados, mas quando os lençóis se aqueceram, ela fugiu dele e dormiu apenas sob o calor do próprio cobertor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário