sábado, 7 de março de 2015

A arte do desencontro

Quarta-feira, 31 de dezembro de 2014, Roma, Itália.


Era um dia ensolarado na capital italiana, mas andava longe de ser quente. Como em toda grande metrópole, e em pleno 31 de dezembro, a cidade fervilhava. Parecia que todos haviam tido a mesma ideia deles, passar o réveillon em Roma. Só para variar um pouco, eles estavam exaustos. Após uma noite regada à cerveja e sexo, com direito a neve na saída, eles não haviam descansado muito, além disso, estavam famintos. Muitas opções, escolhas, escolhas, escolhas. Foram parar num restaurante indiano. Alguém explica histórica social e politicamente por que há tanto indiano morando em Roma?
Ela sequer conseguia decidir o que pedir. Com o passar dos dias e o tratamento rude que muitas vezes ele dispensava a ela, exigindo sempre respostas racionais rápidas, ela atrapalhava-se com o mínimo. Acabou com um frango excessivamente apimentado e uma porção de batatas fritas, que claro, ele criticou. ¿Estás harto con las papas fritas, eh? Não importava o que ela dissesse, fizesse, como se portasse, nunca era o jeito certo ou a escolha certa para ele. Estava farta. A única coisa que naquele momento lhe provocou alguma graça foi o fato de ele achar estranho haver espinha no peixe que ele comia. Onde esse garoto viveu a sua vida inteira? Lá, peixes são invertebrados? O país pseudodesenvolvido queridinho da América do Sul e logo, a vida na Europa. Nunca o deixaram a par da realidade. Ele parecia saber tudo, perdia-se, porém, nas coisas simples.
O hotel não ficava tão distante do centro histórico, mas era bem esquisito.  O bairro parecia saído de um filme da máfia e dentro do hotel não parecia muito melhor. Um cheiro estranho desprendia-se dali e do quarto ouvia-se tudo ao redor, incluindo as conversas dos quartos vizinhos. “Lovely Roma”, really? Bem, o que esperar de um nome tão clichê? Talvez que fosse ao menos, menos frio.
Réveillon em Roma! Ela tentou alegrar-se com a realidade e animá-lo de alguma forma. Era noite de ano novo, uma noite para muitos drinks, muitos desejos e para recomeços, embora o único transporte que chegasse ali fosse o tranvia e em noite de réveillon só funcionasse até ás 9h30min da noite.
A intenção era comemorar o ano novo no Coliseu, mas depois da aventura de não conseguir transporte até a estação Termini, caminhar a pé por 20 minutos, parar numa cafeteria onde uma senhora gorda e com dentes mal cuidados gritava enquanto tentava consertar a luz que caía a cada dois minutos, comer uma pizza requentada em uma lanchonete indiana, – ainda há alguma pizzaria italiana em Roma?- e perderem-se um do outro no metrô,  o máximo que eles conseguiram foi chegar até o Circus Massimus.  Ele ainda estava bravo pelo fato de ela ter se perdido dele no metrô, ela ainda sentia-se mal por ter feito uma nova besteira. Mas ele despiu-se do rancor e a beijou à meia-noite. Um beijo insosso, desses que os atores globais se dão em novelas das seis, pouca língua, pouca saliva, pouca verdade. Mas ela sentia-se feliz, nunca fora beijada em noite de ano novo, era um pedacinho de sonho a realizar-se.
A noite corria bem, ele gostava da música, compartilhava seus risos com ela, tomava-a da mão. Ela sentia a felicidade no corpo, nas maçãs do rosto, no seu próprio riso. Mas o álcool a tomou rapidamente e ela ficou frágil e sonolenta. Ele começou a achar aquilo um saco. Que droga de companheira de farra era aquela? Quando cansou-se de carregá-la por todos os lados, resolveu voltar para casa que ficava a uma hora de caminhada, com sorte, e eles nem sabiam por onde começar. No meio do caminho, ela recebeu um golpe do destino. Em uma cafeteria qualquer de Roma, uma loira de olhos claros e ternos roubou dela o que de atenção ela ainda supunha receber dele. Ao sair, ele falou tanto da moça que ela se sentiu enterrar entre as ruínas romanas. Não podia competir com aquela beleza. Sentia-se esmagada. Ela estava ali, era toda dele e ele não a via.
Quando na cama os olhos fecharam-se em busca do sono que não vinha, ele veio tocá-la. Ela o rejeitou, ele a feriu, e já não havendo lágrimas, ela adormeceu entre mágoas que tornavam o novo ano nada mais que um borrão inicial.


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