quinta-feira, 12 de março de 2015

A arte do desencontro

Sábado, 03 de janeiro de 2015, Lisboa, Portugal.

Hora de despedir-se de Roma, Não puderam acordar cedo para um último passeio. Saíram, como sempre, já no limite do horário para o voo.
A viagem chegara a sua reta final. Haviam sido quase vinte dias de Europa. O velho mundo, o sonho de nove em cada dez não europeus. Mas para ela, era simplesmente como se não estivesse ali. Perguntava-se o que havia feito do sonho mais antigo, da euforia do primeiro momento, da visão e da sensação de tudo aquilo. Havia desperdiçado o seu sonho maior. Não amou um italiano nem um espanhol, nem mesmo comera uma pizza de verdade em Roma. Uma alma inundada de tristeza não reconhece a alegria ao lado, não a desfruta nem se deixa contagiar por ela. Sentia que tudo havia sido em vão. Havia cometido o pior dos erros, encolhera a própria alma.
Ao lado, ele escutava música e fingia dormir, alheio a toda a turbulência na mente dela. No último voo juntos, nada mudou. Ele seguia no seu mundinho, ela afundava em suas conclusões terríveis. Escrevia na tentativa de livrar-se de toda aquela angústia que lhe sufocava o peito. Escreveu durante todo o voo. Disse ali tudo que talvez jamais pudesse dizer, enquanto ele mantinha-se distante o suficiente para que nada daquilo pudesse chegar a tocá-lo.
No aeroporto de Lisboa, ela sentiu a dor do contraste. Naquele exato lugar, há pouco mais de duas semanas, tinha em si todos os sonhos do mundo. Vivera a alegria do encontro e abrira o seu coração para dar e receber o amor com que sempre sonhara, o amor que ele conquistara, o amor que ele cativara pacientemente e que ela decidira permitir-se sentir.  Naquele momento, tudo era possível.  Agora, via destruída toda a ilusão que ele despertara nela. Não encontrava melhor palavra para descrever-se que infeliz. O céu lisboeta pintava-se de laranja num crepúsculo envolvente e romântico. Ela olhava, sentia e não podia sorrir. Ao seu lado, ele tentava objetivamente reencontrar o caminho ao hotel. Ônibus, metrô. Ela deixava ele decidir sempre, não se importava, não tinha opinião, não tinha vontades.
No hotel, um banho e o choque de que realmente era o fim a fez desejar fazer algo bom, divertir-se um pouco. Vestiu-se para ele, cuidadosamente. Pôs a melhor lingerie e o melhor sorriso. Jantaram num bom e tradicional restaurante português. Embriagaram-se em meio à Avenida da Liberdade e voltaram mais leves ao hotel. Ensaiaram uma dança que não encaixou. Ela bailava com a graça e sensualidade só permitidas a uma morena brasileira depois da meia-noite. Ele era o que era, um físico supertalentoso e meio antissocial que dançando pouco se distinguia de um robô não articulado. Ela quis rir, mas sabia que o constrangeria e, ao contrario dele, sempre cuidava para não magoá-lo.

Preparou-se para a última noite. Queria esquecer tudo e pertencer a ele uma vez mais. Vestiu seu melhor olhar, seu melhor sorriso e seu decote mais profundo. Ele não resistiu, depois de três dias longe do corpo dela, ele lançava-se a ele com um desejo que era quase fúria e ela sentia o poder da sua feminilidade a envolvê-lo. Aquilo produzia nela uma sensação indizível. Mas logo ele já não queria apenas penetrá-la e compartilhar prazer, queria usá-la a seu bel prazer, do seu jeito, e ela não viu prazer nisso. Disse não e quase vacilou, mas quase vinte dias eram suficientes para saber que ele não valia o sacrifício. Quando viera, estava disposta a dar a ele cada rincón do seu corpo, cada centímetro de sua alma. Ele, porém, negara-se a provar da sua alma, do seu amor. Ela, pensando em tudo isso, resolvera enfim pensar em si e negar-se a  ele. Impedido de sua vontade, ele agiu como o menino mimado que sempre fora e a rechaçou. Ela, magoada, afastou-se, dormiu sozinha outra vez, mas dessa vez, ela o odiava demais para chorar.


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