domingo, 22 de fevereiro de 2015

A arte do desencontro

Quinta-feira, 25 de dezembro de 2014, Paris, França.

O que há para ver na Paris dos seus sonhos quando é natal e todos os museus estão fechados? Tudo. Todas as lindas pontes, os cadeados, o Sena, Notredame, os tantos cenários dos filmes de sua vida e, para completar, um céu azul em pleno inverno.
Ela despertou antes dele, banhou-se, preparou-se, maquiou-se. No seu segundo dia em Paris, queria, ao menos, sentir-se bonita. Pareceu funcionar, até mesmo ele dedicou-lhe um elogio. !Qué linda! Não acreditou muito, mas gostou de ouvir.
A cidade estava escandalosamente uau! Sair do metrô naquela manhã de dezembro era como adentrar ao paraíso. O sol brilhava num azul que cheirava a algodão doce. Os carros e as pessoas moviam-se para todos os lados, nem parecia feriado. Notredame não era sombria como no filme da Disney e o Corcunda não estava lá para espalhar a sua tristeza e o seu sofrer. Era tudo linearmente perfeito. Ela permitiu ao sol brilhar nela e sorriu de verdade. Ele caminhava ao lado. Foto, foto, foto. Era uma espécie de fixação. Fotografava tudo, nem tanto ele, não era do tipo narcisista, tinha simplesmente a mania de fotografar cada monumento, placa, instrumentos e destes, cada um de seus detalhes, e pior, o fazia super mal. Que bom que não optara pela carreira de fotógrafo.
Caminharam pela cidade a buscar distração em um dia em que a cultura estava de férias. Foram em busca de Jesse e Celine. No caminho, lá estava, a mais famosa ponte do amor. Havia, em cada parte dela, amores aprisionados, amores que, como o da nossa heroína, sonharam com Paris. Contudo, aqueles se fixaram ali em algum momento. O que houve depois, se naufragaram, se se desvencilharam, não se sabe, porém ali, em algum momento e fixados naquela ponte, eles foram simplesmente amor. Ela olhou com pesar para todos aqueles amores encarcerados e sentiu-se mal por não ser prisioneira. Mais uma vez seu amorzinho clichê saíra das palavras para chocar-se e desfazer-se numa aterrissagem sem trem de pouso. Ele? Fotografava. E como nem todo amor é feito de correntes, continuaram a buscar o amor que sobrevivera à liberdade. Ali estava, ela não podia acreditar. Ao fim de uma rua estreita, em alguma curva de Paris, Sheakspeare and Company. Nos seus sonhos, ela visualizava Jesse e seu livro da maior história de amor que poderia caber before sunrise. Por um breve momento, ela lembrou que não era a Celine e que ele jamais seria o seu Jesse. A tristeza quis dar-lhe um tapa, mas rememorar o verdadeiro Before Sunset era muito melhor. Pisava o mesmo solo em que o seu casal favorito se havia reencontrado para continuar a noite nunca esquecida. Ele? A fotografava. Ele era, enfim, responsável por dar a ela alguma felicidade.
Depois do encontro com o amor improvável, saíram em busca do amor divertido, confuso e fabuloso de Amelie Polain. Bateram à sua porta, tomaram seu café, até mesmo perambularam pelas mesmas estações de trem e de metrô que ela, mas não puderam alugar um dos filmes sacanas do Nino, não o encontraram. Havia sido um lindo dia, mas como nem tudo são flores na terra de Napoleão, ele teve de derramar espinhos para que ela espetasse o pé no caminho de volta.

¿Fumas conmigo? Esta marca de cigarros me la indicó la rusa, ahí empecé a fumarlos. Odiava cigarros. O cheiro, o gosto. Por ele, talvez abrisse uma exceção, mas como partilhar com ele a lembrança de outra? Outra que fora para ele tudo o que ela jamais pudera ser... Negou-se e pôs-se a pensar inquietudes. Eles quase discutiram enquanto ele tentava provar a ela objetivamente que o seu ciúme não fazia sentido, que não tinha direito a ele. Ela odiava a mania que ele tinha de organizar a vida em fórmulas matemáticas. Cansada de ouvir seus cálculos, ela dormiu sob um céu azul escuro.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A arte do desencontro

Quarta-feira, 24 de dezembro de 2014, Paris, França.

Ah, Paris, Paris... Desde a janela do trem podia-se ver a mudança no ar, no céu, nas longínquas casinhas francesas do interior que iam preparando os olhos do viajante para o esplendor da cidade que é a queridinha dos sonhos de onze em cada dez pessoas.
Era um típico dia de inverno parisiense, nublado como os sonhos dela, mas impressionante e inexplicavelmente lindo. Há em Paris uma essência envolvente, um torpor que te transforma pelo simples fato de estar ali, de saber-se em Paris. Cada rua estreita com seus cafés caros e suas porções mínimas dialoga com você num francês que não é, sob nenhum ponto, arrogante. Cada ponte é tão linda e triste que dá vontade de morrer em uma delas. E naquele 24 de dezembro, véspera de natal, eles estavam lá, na capital da cultura e do amor, em umas das cidades mais românticas do mundo, para ver muito amor desperdiçado.
Apesar da chuva, eles aproveitaram o dia. Andaram por pontes, subiram a Torre Eiffel, fotografaram-se. Por horas, ela chegou mesmo a esquecer que carregava um coração partido. Porém, na cidade do amor, não dá para manter isso escondido por muito tempo. Ali estavam eles, os casais felizes a esfregar na cara dela o que ela não tinha, cada gota do seu amor sonhado, cada pedaço do seu amor rechaçado. Ele esforçava-se para parecer bacana, para fazê-la sentir-se bem. Ela esforçava-se de volta e iam assim equilibrando as forças e mantendo um equilíbrio. Fazia frio e ele abrigava-se nos próprios braços, ela desejava abrigar-se nele. Não prometera que não a deixaria sentir frio?
Os Campos Elísios são uma avenida de muitas luzes e de lojas caras, e ao fundo pode-se ver o Arco do Triunfo. Quem diria... Para onde foram os campos... Ao fim do dia, em meio à famosa Eliseé, ele ainda mantinha a alegria, a suposta alegria natural por estar em Paris. Ela já estava exausta de tanta alegria dissimulada, de tanta obrigação de estar feliz. Dentro dela, como em Paris, chovia.
¡Estás en Paris y como qué no importa!
Encasacou sua tristeza outra vez e pintou no rosto algum contentamento. Em sua alma, era exatamente isso: não importava. Os franceses tomaram a Bastilha, fizeram revolução, estava tudo ali. E daí? Ele não quisera o seu amor.
Já em casa, em clima de natal, eles ensaiaram algum carinho e dormiram sem pensar em um Before Sunrise.


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A arte do desencontro

Terça-feira, 23 de dezembro de 2014, Amsterdã, Holanda.

O dia amanheceu quase ao meio-dia. Que frio! Que preguiça! Ela, como sempre, despertara antes. Ele, porém, não tardou em despertar e pedir-lhe o café. Realmente, o homem dos seus sonhos. Quem haveria de dizer...
Na barraca de sanduíches típica e deliciosamente holandesa, ela finalmente sentiu-se, após logos dias que passavam incrivelmente rápido, bonita. Ganhou um elogio. You’re beautiful, I loved your eyes. Graças a Deus seu inglês lhe permitia entender aquilo. Sentiu-se bem, leve e de quebra, ganhou um desconto. A excitante história da paquera amsterdanesa não fez tanto sucesso de volta ao quarto. Qué cosas raras te dicen. Não acreditava na história dela? Não importava, ela estava breve e verdadeiramente feliz por haver recebido o seu elogio europeu, mesmo não querendo desfrutar dele. Era bom sentir-se mulher, a pretty woman.
Na briga contra o frio e a preguiça, o natural sempre quase os vencia, e do dia restavam-lhes apenas algumas doses. Não houve Van Gogh nem Mercado das flores, tropeçaram no meio do caminho com restos mortais, Body Worlds – The Hapiness Project. Irônico tema. Motivo de briga no dia anterior, ali estava ela a render-se ao desejo dele, por mais que tentasse, não resistia à possibilidade de fazê-lo sorrir, e ficava a esconder suas lágrimas por trás daquele sorriso. Foram, na cidade onde a vida acontece de todas as formas, ver gente morta.
O fim de noite brindou-os com cervejas antigas e outras caras. Junto aos novos conhecidos dela e aos velhos conhecidos dele, eles se divertiram. Era sempre melhor quando havia alguém mais. Naquela harmonia, eles eram facilmente confundidos com uma pareja feliz. Do outro nada se sabe.
De volta a casa, tendo o frio como abraço, ela caminhava tristemente e mantinha-se bem atrás a observar o novo lindo casal que acabara de conhecer, como os invejava... Ele não entendia e odiava que ela caminhasse sempre tão lentamente. Ela não tinha vontade de explicar-lhe nada, queria ficar a sós com seus pensamentos.

Em casa, ele a deixou, saiu e voltou em seguida, quando os olhos e os pensamentos dela começaram a entender-se. E no meio de um poema nunca terminado, ele a tomou uma vez mais e ela, tremendo de frio, deixou-se envolver por aquele calor.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A arte do desencontro

Segunda-feira, 22 de dezembro de 2014, Amsterdã, Holanda.
Para ela, Amsterdã era como um grande formigueiro muito bem planejado. Não havia espaço, mas todos chegavam a todos os lugares sem muitos problemas. Havia gente de todos os tipos por onde quer que você nem pudesse imaginar, e os edifícios pareciam brotar de onde não deveriam caber. Tudo muito antigo e lindo, lindo de uma forma estranha. Mas ela estava cansada, cansada de correr para tentar chegar e cansada da sensação de nunca estar.
Ele sentia-se em casa. Conhecia o lugar, inclusive morara ali há cerca de um ano. Não via muita graça naquilo tudo, exceto nas garotas de rostos perfeitos que surgiram de todas as partes e faziam a mulher ao seu lado parecer pouco mais que nada.
Ela tentava excitar-se com a ideia de estar em um lugar onde tudo parecia permitido, mas a indiferença com a qual ele a tratava a entristecia de uma forma que a fazia diminuir a olhos vistos. Se alguém a medisse, provavelmente descobriria que ela perdera alguns centímetros desde que desembarcara em Lisboa. Os desejos dos dois quase nunca convergiam e ele não escondia a sua insatisfação por ter de estar com ela nos lugares que não lhe apeteciam. Se ela ao menos valesse a pena... Fosse uma dessas amsterdanesas que só existem ali e nos filmes e ele poderia ir ao inferno com ela pendurada em seu pescoço. Mas ela... até o braço dela enroscado ao seu o incomodava. Arranjou uma desculpa para não tê-la mais grudada a si, o atrito desgastava-lhe a jaqueta que lhe custara duzentos e cinquenta euros! Ela sentia-se tão mal por tudo que até se sentiu culpada por estragar-lhe a vestimenta. Tivesse dinheiro sobrando e provavelmente lhe haveria comprado uma jaqueta nova. Mas era pobre e havia trabalhado duramente para estar finalmente ali, a desperdiçar amor.
O primeiro dia em Amsterdã havia sido cansativo para o corpo e para a alma dela. Andaram e brigaram muito. Só doses de ilusão para evitar que ela sumisse. Entregaram-se a elas. Ela bebeu até sentir-se viva e pela primeira vez, comprou café com ele. Sentia-se livre, leve, não se importava de não encontrar o caminho de volta. Ele caminhava abraçado a ela e não reclamava. O mundo poderia acabar.

Ela queria transar com toda aquela sensação envolta, mas ele queria apenas dormir só. O transe não foi suficiente para segurar nela uma lágrima triste sob a qual ela adormeceu.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A arte do desencontro

Domingo, 21 de dezembro de 2014, Barcelona, Espanha.
O segundo dia em Barcelona amanheceu cedo demais para ele e tarde demais para ela. Mal se fez dia e ela já se aprontara em minissaia e meia-calça. Queria sair, caminhar, ver qualquer coisa que desviasse o seu pensamento das palavras que ouviu durante a madrugada. Odiava tudo o que o homem deitado ali a fazia sentir. Odiava amá-lo e odiava ser tão sensível, tão romântica, tão idiota. Ele seguia inerte, deitado, cheio de sono depois de dormir por toda a noite.
Por fim, depois de ela muito insistir, saíram a ver a Barcelona de Gaudí. Gente por todos os lados. Orientais por todos os lados +1. Espanha ou Japão? A Sagrada Família é sensacional e a impressão começa na fila, qui-lo-mé-tri-ca.  Imagine como seria se custasse menos de vinte euros.
Ela olhava tudo sem grande interesse, sem grandes impressões. Foi distanciando-se dele, que ao contrário dela, deleitava-se com cada detalhe, prestava atenção em tudo, fotografava cada letra, cada cor. Ela ia distanciando-se dele, queria livrar-se daquela dependência. Foi indo, sozinha, até que, perdeu-se dele.  Gente demais, voltaria a encontrá-lo? Ele, não muito longe dali, estava furioso. ¿Cómo que se va a perder? A raiva era bem maior que a preocupação. Parte da sua visita à catedral comprometida por ter de procurá-la. Não podia acreditar em tamanha estupidez. Por fim, encontrou-a. Ela respirou aliviada e com alguma felicidade. Ele concentrou-se em dizer a ela, de forma pouco efêmera, que perder-se, naquela situação, era bastante idiota.
O clima entre eles tornava-se, cada dia, menos amistoso. Ele parecia caminhar cada vez mais rápido, ela parecia cada vez menos disposta a acompanhá-lo. E iam assim, cada um ao seu ritmo, aumentando a distância a cada cidade.
O fim de tarde em Barcelona era lindo. Ela sentou-se a mirar o pôr-do-sol, a pensar poesias, a sonhar com tudo o que poderia ter sido. Ele, ao longe, fazia questão de não percebê-la, de não pensar nela, de não vê-la.

Uma cerveja à beira-mar, duas... As coisas ficam tão mais leves. Ele parece mais doce, ela, mais graciosa. Risos. Por que não podiam rir mais... Ela perguntava-se. Ele perguntava-se. Não se pode estar bêbado o tempo todo.

Ao deitar, a mão atrevida dele tornou a buscá-la. Envolvida pelo álcool, pelo calor dele, pelo desejo do seu próprio corpo, ela deixou-se levar uma vez mais. E novamente não houve carinho. Não houve atenção. Não houve nada. Ela feriu-se. O filme ao lado era mais importante. Mandou-o ao cinema. Dormiu mal e ferida outra vez.  Ele satisfez-se com a tevê e dormiu em paz.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A arte do desencontro

Sábado, 20 de dezembro de 2014, Barcelona, Espanha.

Saíram de Madri extremamente atrasados e ela, mesmo com os pés destroçados pelo salto alto da única bota que ela insistira em levar, teve de correr. Quando finalmente chegaram a Barcelona, ela se sentia terrível, parecia carregar no rosto, nos ombros, além do cansaço da jornada, toda a dor da rejeição, a frustração do amor não vivido, a desilusão da possibilidade que não foi. O dia passava, desgastava-se a nova esperança surgida na noite anterior, ia aos poucos se desintegrando.
Passeando à noite pelo porto de Barcelona, ao lado dele, não podia parar de pensar em como simplesmente ele podia, sem o menor esforço, não lhe dar atenção. Desejava estar sozinha ali, ser-lhe-ia menos penoso. Os barcos, as luzes, o mar, o vento frio, o homem a quem aprendera a amar e a solidão em seu peito.
O jantar foi espetacular. Mariscos à beira da praia, cerveja, risadas. Por alguns minutos, ela esqueceu que estava sozinha. Na volta para casa, nutriu a última esperança de que ele voltasse a si e a tomasse nos braços. Não aconteceu. No quarto, ele deitou e dormiu tranquilamente, totalmente esquecido da mulher ao lado dele. Ela não pôde dormir, os pensamentos a enlouqueciam. Não podia suportar a ideia de que toda a sua entrega não havia representado nada para ele. Isso a maltratava de uma maneira que ela nem saberia como descrever. Tentou ler, mas não conseguia concentrar-se. Saiu, baixou ao hall. Quem sabe alguém para conversar... Nada. Voltou.
_¿Saliste? ¿Qué te passa?
Ao menos notara sua ausência, era mais que um criado-mudo daquele quarto. Deu-lhe uma desculpa: insônia. Ele tentou abrigá-la em seus braços, com o único intuito de ajudá-la, de fato, a dormir. Ela não podia acreditar. Queria gritar, queria matá-lo. Odiava-o naquele momento. Não se pôde conter. Interpelou-o, acusou-o. A resposta foi simples e dura. Havia sido para ele uma noite apenas, como uma desconhecida qualquer com quem tivesse sexo e nenhum laço, concluía ela. Virou-se e esperou insatisfeita que o dia amanhecesse. Quanto de olheiras acumularia até o fim da viagem?


A arte do desencontro


Sexta-feira, 19 de dezembro de 2014, Madri, Espanha.
Ainda não conseguira dormir bem. Entrava luz no quarto e ela o via ao lado, lindo e completamente adormecido. Com que sonhava? Mais um dia amanhecia na linda Madrid. Era necessário guardar as mágoas no bolso e, na medida do possível, tentar desfrutar do momento. Não era fácil. Numa cidade linda, num frio de dezembro e com tantos casais ao redor, rogava por ser amada. Calava em si o clamor, punha um sorriso no rosto e seguia caminho.
À noite, quando todas as esperanças dela tinham-lhe dado adeus, ele veio tocá-la; ela sentiu-se feliz por um momento, quem sabe ele finalmente voltara a ver nela o que parecia ter visto no primeiro encontro.

Há mais de três anos ninguém a tocava. Guardava-se para o amor. Cansara-se de ser um simples momento de êxtase de alguém, de si mesma. Ela sentia amar aquele homem, cada centímetro do corpo dele. Entregou-se entre medo e desejo. Ele não a amou como ela sonhara, imaginara, e como ele, por longos meses, tantas vezes prometera. Foi cuidadoso, mas não carinhoso o suficiente, era demasiado direto. Ainda assim, quando após certo esforço, ele finalmente entrou nela, ela sentiu o prazer de senti-lo dentro, e sentia que finalmente era dele. O gozo veio e junto com ele a esperança de que, a partir de então, tudo seria diferente. Adormeceu nos braços dele, cansada e feliz.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Quinta-feira, 18 de dezembro de 2014, Madrid, Espanha. - A arte do desencontro

Quinta-feira, 18 de dezembro de 2014, Madri, Espanha. - A arte do desencontro

Levantou-se com o cansaço de dois dias no rosto e no corpo. O estômago seguia embrulhado, não lograva estar fisicamente bem, todo o corpo era um reclamo. Esforçava-se para parecer bem, para dar a ele o melhor de si, sorria-lhe de bom dia.
A viagem de avião foi breve. Apesar do incômodo, ela sentia-se bem apoiada no ombro dele, de mãos dadas. Era chegado o amor?
Finalmente o descanso de um hotel. Ele a tomaria nos braços finalmente? Na cama em frente, mais uma vez, ele dormia. Ela banhava-se, perfumava-se, tentava de todos os modos chamar-lhe a atenção. Ele parecia não vê-la.
O amor tão sonhado e sutilmente provado desprendia-se dela, ela sentia, sentia e não queria acreditar. A interrogação martelava-lhe a cabeça, doía-lhe, massacrava-lhe. Lançou a ele então a pergunta sem querer ouvir a resposta, mas a resposta veio, forte, cruel, fulminante. O amor que ela nem chegou a ganhar, perdera-se de repente. Uma dor trespassou-lhe o peito e ela chorou, chorou como uma criança, em desespero, inconsolável. Ele não chorava, mas igualmente não encontrava saída, consolo. Não queria magoar a amiga tão querida, por anos cultivada, mas não podia amá-la, não como mulher, não como ela desejava. Sentia o sofrimento dela levar-lhe a amizade que tão naturalmente havia se consolidado. Era triste, era doído e não tinha remédio. Culpava-se. Por que a beijara? Por que plantara nela a semente da ilusão? Ela sofria, parecia um sofrer sem fim, e seguia desejando-o. Não entendia. Sentia-se frágil, doente, sem dignidade. Por que ainda o queria? Ferida, ela quis feri-lo também, mas arrependia-se. Não queria vê-lo ferido, não podia. Com tantos dias à frente, restou-lhe encarar o caminho e dissimular um contentamento quase impossível. Bem-vinda à Europa.