domingo, 5 de maio de 2013

A arte do encontro XXIV - Ele


Era loira, alta, a visão recém-saída de um filme norte-americano. Um sonho adolescente, um sonho adulto, um sonho. Movia-se ao ritmo da música, em movimentos pré-programados para fazê-lo sofrer. Toda a insegurança de um garoto quase homem, ou de um homem meio garoto, tomava conta dele. Parado no meio da festa, sentia-se como o visitante de um aquário. Ela nem percebia sua presença, dançava como se nunca mais fosse haver música. Em meio à falta de proteção à exibição de Ariel , um baladeiro alucinado tropeçou no nosso herói e ele, desafortunadamente ou não, caiu sobre a visão de Meliada.
_ ¿Estás loco?
_! Perdón! !Perdón!
Enquanto ela gritava até superar os decibéis que tomavam conta do lugar, ele tentava desculpar-se de todos os modos, mas não lhe saía mais que um “perdón” mal articulado. Saiu acompanhado da vergonha e foi tomar um drink para acalmar o espírito. Alguns minutos depois, já recomposto, pensou em algo melhor a fazer. Olhou ao redor, procurou-a. Foi encontra-la na área de lounge. Ela descansava, encontrava a serenidade em meio à conturbação. Ele ficou alguns minutos a fita-la de longe, encantado. Imagine se ela cantasse...
Voltou ao bar, comprou uma bebida, encheu-se de coragem e foi até lá. Ela continuava ali, quase inerte, quase irreal. Ele então aproximou-se:
_!Hola!
_!Hola!! Puuf! ¿Outra vez vos?
Em meio a tantos tropeços ele ofereceu a ela a bebida e finalmente conseguiu articular uma desculpa. A conversa foi fluindo e ele foi percebendo que sim, ela era de carne e osso. Ela, em contraponto, começava a perceber nele coisas surreais. Que boca! Que boca!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A arte do encontro XXIII - ELA


Em meio a tantos livros, ela se apaixonara, muitas vezes. Na adolescência, a paixão surge num escorregão, num tropeço, num piscar de olhos. Só na adolescência? 
Chegou à maioridade com muitos remendos no coração, alguns poemas rasurados e nenhum romance para escrever. Apaixonava-se por enquanto pelas sete vogais. Como nunca havia percebido? Fascinante, fascinante... A, É, Ê, I, Ó, Ô, U. Em meio às novas descobertas, distraía-se alguma vez com pontuações antigas que teimavam em não aparecer. Sua alma clamava por exclamações e sobravam-lhe reticências. Voltava às vogais, ocupava a mente, esquecia a alma. Em algum lugar no futuro, aprenderia com Ignácio de Loyola Brandão que o beijo não vem da boca, ele é dado antes com os olhos, num imaginar, num ansiar, para só depois saciar-se entre lábios.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A arte do encontro XXII


ELE
Quando nosso herói se apaixonou de novo? Ih, demorou. O seu primeiro grande amor acabou lhe deixando feridas profundas, tornou-se arisco. Durante quase dois anos não fez muito mais que ocupar-se de si mesmo. Amigos, festas. O mundo se mostrava pra ele, abria todas as portas disponíveis aos belos e jovens.
Estava na idade das grandes resoluções e em uma época em que tudo o que se quer é não ter de resolver nada importante. Mas era preciso decidir. Decidir a carreira, o futuro, a vida. A adolescência estava dando-lhe adeus, era necessário mirar o mundo com seriedade e de frente. Era chato, difícil e necessário. Depois de mais de um ano que havia terminado o ensino médio, pensando em que fazer, acabou não seguindo o esperado, não foi à universidade como estava previsto. Saiu para buscar trabalho. Tinha dezenove, era homem e precisava de independência. Acabou tornando-se vendedor em uma loja de roupas e acessórios da moda. Sua aparência de Ken fazia dele mais um bonequinho da vitrine, vendia bem, era bom para a loja. Estava feliz. Cuidava de suas coisas, tinha seu próprio dinheiro, embora menos tempo para as festinhas; às vezes, sentia-se um pouco cansado para ir às discos, depois de uma semana de trabalho, nem tudo são flores, menos ainda energia.  O cansaço tampouco era comum. Aos dezenove, nunca se está suficientemente cansado. !A bailar! E dançava, dançava como se o mundo não o observasse, como se a noite não fosse o bastante. Chegava a esquecer-se dos amigos, voando, voando... Ao aterrissar, teve a impressão de descer no fundo mar. Havia uma sereia movendo-se ao seu lado. Nem conseguia ouvi-la cantar e já se havia enfeitiçado.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A arte do encontro XXI


ELA
E ela, o que fazia aos dezessete? Pensava que a vida resumia-se em ser a melhor aluna da classe. Seu universo, de fato, cabia em uma casca de noz. Seu desejo? Entrar em uma universidade, uma pública, que diziam ser melhor. Não sabia que carreira seguir. Sua decisão  confrontava-se entre o que julgava ser uma boa carreira, suas verdadeiras aptidões e sua pouca confiança em si. Sempre fora insegura, desde o jardim de infância. Não sabia lidar com a perda e tendia a escolher o caminho mais fácil, sempre.
Terminou os anos escolares sem um grande amor de adolescência, coisa tão presente na vida das meninas. Desde o primeiro beijo no portão da escola, apaixonara-se muitas vezes: o garoto da outra rua, o professor de matemática, o de inglês, o de informática... Era realmente uma aluna aplicada. Mas a dedicação não lhe deu nenhum diploma. Terminou o colegial solitária. O garoto nunca a pediu em namoro e, por fim, não quis mais vê-la. Ela, porém, continuava a passar pela rua dele, o coração aos saltos, a esperança quase inesgotável. Quando o via, Dios! Ele fingia não vê-la e ela ia-se com o peito a doer-lhe, a cabeça a confundi-la. Demorou anos até dar-se conta: esquece, não é ele. Quanto aos professores, não a levavam tão a sério fora de sala. Era bonita. Uma espécie de Anita a atentar-lhes com sua voz doce e seus movimentos de fêmea desabrochando. Exalava pecado. Vez ou outra, não resistiam, a beijavam, com certa fúria às vezes, chegavam a assustá-la. Mas não ia muito além a coisa. Ela seguia, enchendo-se de fantasias, de desejos que acabavam quase sempre em palavras de um diário, conversas com a amiga mais próxima e lágrimas no travesseiro. Acostumara-se desde cedo a chorar ali, antes de deitar, baixinho, pra ninguém saber.
Dos doze aos dezessete colecionou paixões dolorosas e nenhum amor de novela. E assim chegaria à universidade.
Vestibular... Durante toda a vida pensara, o que iria ser? Quando criança. Imaginou-se primeiramente médica, depois, o amor pelos animais disse: veterinária, mas o pavor total a sangue e a outras coisas pavorosas a fizeram desistir. Chegara ao vestibular sem saber o que fazer. Apaixonara-se aos dezesseis pelo idioma espanhol, que estudava em um curso livre, mas as vagas na universidade eram pouquíssimas e ela nunca confiara muito em si. Os outros sempre confiaram muito mais. Ela perguntava-se, às vezes, seria ela a que acreditavam ser ou a que via no espelho. Nunca soube responder. A confiança de um amigo a fez ir adiante. Seria uma mulher das Letras, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Florbela Espanca, Isabel Allende. Seria ela, com todos os verbos e conjunções.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

SOBRE HOMENS E MULHERES E NOSSA CONDIÇÃO DESUMANA
Refletindo um pouco sobre um vídeo que vi sobre o pensamento masculino e como nós homens e mulheres naturalmente somos, cheguei à conclusão de que encontrar a pessoa dos sonhos e conseguir realmente viver com ela o relacionamento ideal, do tipo saudável, doce, verdadeiro, construtivo e cheio de tesão é completamente impossível.
Segundo consta no vídeo, de acordo como sempre me fala meu melhor amigo e com o que as circunstâncias da vida algumas vezes me esfregaram na cara, os homens querem aquela mulher que é atraente, delicada, não tão inteligente assim, meio fingidamente pudica e que claro, não tá nem aí pra ele. Sim, esta última parte é IMPORTANTÍSSIMA, pois mesmo que a moçoila tenha todas as outras qualidades, cairá tudo por terra se ela demonstrar interesse. Não que ele vá desdenhar a moça, assim de início. Ele jamais faria isso. Se ela der bola, assim pra não ser mal educado, ele simplesmente retribuirá  tanta atenção demonstrando interesse até que a pequena caia de lingerie na sua cama, e depois, a mandará docemente amanhecer em outra freguesia. Por quê? Por que mesmo, amigo? Humm, será algo nos genes ancestrais talvez... Sair, ver a caça, persegui-la, comê-la e ... não tem “e”, acabou, ponto. Quiçá reste um arroto.
Já se o contrário acontecer, ou seja, ela não lhe der bola, há duas possibilidades: ou ela realmente não tá afim, ou ela é uma mulher fria, calculista e mentirosa que finge não estar afim. No primeiro caso, não há romance, ela lhe dará um belíssimo toco. No segundo, quem sabe haja, se ela for fria o suficiente pra manter-se invulnerável até que o macho Homo Sapiens passe da fase Neandertal e se apaixone. Nesse caso, vamos às contradições... Quando se fala em relacionamento, todos lembram de verdade, sinceridade, fidelidade, lealdade e mais um monte de ade aí, no entanto... É, lá se foi o relacionamento ideal, embora creiam que deu certo a parte do ade não existia desde o início.
Com relação às mulheres, não vi nenhum vídeo, mas observando em redor e por que não interiormente e no meu espelho, posso dizer: clamamos aos quatro cantos que queremos homens apaixonados, fiéis, românticos, bonitos claro, embora algumas finjam que não. A questão é que ao desejarmos ter alguém ao nosso lado que realmente goste da gente, esquecemos que quem gosta, quem tá apaixonado, num primeiro momento soa deveras idiota. Sim, imagine um cara, que vá, mesmo que bem gato, chegue e fale uma frase tonta pra iniciar um papo, do tipo: oi, tudo bem, tá calor né? Anram será a possível resposta. Por quê? Porque não queremos ter filhos sem ideia. Isso aí, malditos genes de novo. Continuamos querendo, involuntariamente, homens seguros, que saibam o que fazer o que dizer e como fazer e dizer na hora em que devem fazê-lo. E talvez os biólogos estejam certos queremos essas características nos nossos filhos. Genética e subconsciente de merda. A questão é que um cara que age assim jamais estaria apaixonado porque gente apaixonada é insegura, fala merda, treme e com muita falta de sorte até gagueja. Esse cara todo delícia, tipo capitão de novela das nove, é o mesmo lá de cima, pra quem a gente vai dar bola e que não nos ligará no dia seguinte. O cara que falou do tempo já levou nosso toco e nós perdemos a chance de viver o romance. O que resta? Chorar no ombro da amiga, babar o travesseiro, escrever poesia, blablabá. Enfim, mais uma vez não haverá o relacionamento ideal.
É um círculo vicioso que mexe com a essência humana, ou você altera os fatores naturais e corre atrás da fingida e aceita ser apaixonado por uma possível psicopata ou passará a vida comendo as periguetes e as que ficaram facinhas por estar apaixonadas, até a exaustão. Se é mulher, tenta convencer o seu corpo e a sua mente de que eles precisam se acostumar a um babaca que ensaia frases nauseantes para lhe dizer,- ou seja, o tesão da relação sonhada já foi pras cucuias- pois no final ele é quem é o príncipe azul dos contos de fada que você leu na infância e que atormentam a sua vida até a idade adulta.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A arte do encontro XX

Inevitavelmente acabou sabendo, sim, ela estava namorando. Que rápida! Perguntava-se se era algo de quando ainda estavam juntos. Se ela se havia ido com desculpas idiotas, fazendo-o sentir-se culpado. Sentiu-se mal, a cabeça dava voltas, o estômago estava estranho, às vezes, vinham-lhe ânsias de vômito. Por fim, gritou: basta!
Iria esquecê-la, precisava esquecê-la. E guardou os livros de literatura no armário.
Não há melhor remédio que o tempo com músicas e risos enquanto ele passa. Assim foi. O tempo fez com que ele percebesse que sim, havia vida além do primeiro amor, e ela tinha gosto de alfajor de doce de leite. Aprendeu a ser só por um tempo e a sentir-se livre com a solidão.
Um ano, um ano foi o tempo para esquecer. Esquecer de estar sempre ocupado, ocupado perdendo-se em pensamentos, girando, voltando ao mesmo ponto. Haverá prazo de validade para a paixão? O dele havia expirado, definitivamente. Era quase maior de idade, tinha dezessete e só queria uma coisa, não querer.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A arte do encontro XIX

Por essa época, como andava nossa heroína, hein, caro leitor? Não sei se já mencionei que nossa brazuca é quase sete anos mais jovem que nosso Hermano. Fazendo os cálculos, ela devia estar aí pelos nove anos, começando a preocupar-se com a cor do batom. Só tinha vivido um amor, aos seis anos, lembra-se? Ah leitor esquecido... Volte ao início da história e verás que te digo a verdade, embora a palavra não seja exatamente “vivido”...
A questão é que, enquanto o nosso herói julgava-se reerguido do primeiro grande amor naufragado, nossa princesa tentava ser a melhor aluna da terceira série, o agora quarto ano, para o povo mais antenado nas nomenclaturas. Ninguém pode negar que eram dois grandes momentos, mas voltemos ao nosso che.
Ia bem na superação do seu primeiro pé na bunda significante, depois de alguns meses, já tinha se convencido, era isso... Não contava porém, com a possibilidade de encontra-la na rua, -calma, refiro-me à boluda da adolescência de nosso querido, não à nossa menina- pois é, a encontrou. Foi deveras desconcertante. Sentiu-se como quando olhava nos olhos amendoados da loirinha de sua infância. Mas era pior, porque agora tinha total noção de sua vulnerabilidade e odiava isso.
Ela o cumprimentou com um “hola” meia boca, ele respondeu de forma quase inaudível e seguiu caminho tentando desaparecer. Depois de alguns passos, virou-se, não pôde evitar. Ali, numa esquina próxima, ela conversava alegremente com um desconhecido.
A cabeça passou a desde ai seguir o ditado chinês “uma imagem vale mais que mil palavras” e não parou de martelar e criar fantasias. Não o atendia, funcionava sozinha e pensava em muitas coisas, todas relacionadas a ela. Com quem estava? Quem era ele? Porque ela sorria tanto? Estaria já namorando outro? Pena o coração ser tão frágil e demorar tanto a cicatrizar. Não fosse assim nosso herói não estaria sofrendo tanto. Tirara as ataduras antes do tempo, era fato. Tentava mudar o pensamento. Lia, via tevê, escutava canções, andava de um lado para outro. Paliativos... Ao fim era hora de dormir e a cabeça seguia trabalhando de forma involuntária.
Não entendia por que se importava tanto. Pior, não aceitava importar-se. Lo hecho está hecho e o passado tem de ficar para trás. Mesmo sem explicação racional, não pôde dormir naquela noite.
Enquanto isso, a milhares de quilômetros, a nossa princesinha dormia o sono dos anjos esperando tirar uma boa nota na prova de matemática. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A arte do encontro XVIII


O tempo passou e o relacionamento deles, enfim, era do conhecimento de todos. Um ano juntos... Passou rápido. Estar ao lado dela fazia o tempo parecer sempre mais curto para ele, cheirava à felicidade. Ainda assim, algo começava a incomodá-lo. Sentia falta de estar com os amigos, de sentir-se mais livre. Como dizer a ela, porém, que precisava de espaço? Sentia que não podia, que terminaria por magoá-la, e nem podia imaginá-la magoada. Magoava-se ele antes.
Continuou vivendo assim, iam passando-se os dias, os meses, ele ali, tentando fingir ser o mesmo de há um ano e algo. Cada vez funcionava menos. Ele não se divertia como antes, ela já não se sentia tão amada; o notava cada vez mais distante, disperso. Ela, como toda mulher, quis entender, ele, como todo homem, não queria explicar. E de tanto não se entenderem, ela lhe disse adeus em uma fria noite de inverno. Saiu ainda sem entender como chegaram àquilo e completamente magoada como ele jamais quisera. Ele foi chorar embaixo das cobertas, lamentando as palavras não ditas, a pequena mágoa não logo causada.
No dia seguinte, a mãe surpreendeu-se com a presença dele na cozinha às dez da manhã. Era tempo de aulas e ele não havia ido à escola. Ela também havia acordado tarde e julgava que ele já houvesse saído. Quis entender. Ele fingiu estar doente. Com todo o frio do inverno, não era difícil de acreditar. Tomou o café da manhã e voltou à cama para continuar a pensar e a sofrer. Pensou em ligar para ela, conversar finalmente, desculpar-se, explicar-lhe, mas desistiu ao fim. Já não era tempo para isso “lo hecho está hecho”, e foi adormecer entre lágrimas.
...
Os dias foram se passando, gélidos e pesados. A separação fez-se perceber. A cada curioso que o incomodava com indagações, respondia seco e breve: cortamos, es todo.
O tempo o ensinou a voltar a viver sem ela, os amigos foram se tornando mais próximos, ele divertia-se mais e acabou por achar que era o momento de ser mesmo assim. Vez ou outra, porém, saía-lhe alguma poesia e os livros de literatura já não lhe pareciam tão entediantes.