sábado, 11 de agosto de 2012

A arte do encontro XIV


Ele- continuação

Aproximavam-se as férias de inverno. Nem podia acreditar, mas passava ileso pelas provas. Nenhuma nota baixa até então, tampouco nada surpreendente, limitava-se a algo acima da média e o fazia a duras penas. Estudava até muito tarde e, consequentemente, dormia pouco. Custava-lhe despertar pela manhã. Ao escovar os dentes, não podia deixar de reparar nas olheiras que lhe estava causando aquela quase uma semana de tormento. Sentia-se pavoroso. Sabia que era culpado por não ter se programado com antecedência para estudar. Agora já não importava, dois dias mais e se acabava o tormento. Chá, biscoitos, mais uma olhadinha no espelho, escola.
Última prova. Estudar! Língua e Literatura, todos aqueles verbos, todo o desenrolar dos enredos, tantos nomes... Estava exausto, mas ainda faltava tanto... Entre um cochilo e outro, acabou dormindo sobre os livros. Acordou pela voz da mãe “Ale, Ale! Despertate!” olhou o relógio ao lado da cabeceira da cama e levantou-se de um sobressalto. Dormira muito mais do que deveria, estava atrasadíssimo. Por Deus! Haveria de ter problemas logo no último dia de prova? Apressou-se, pulou etapas. Esquece o banho! Lavar o rosto, escovar os dentes, pentear os cabelos, vestir o uniforme e voar para a escola. Se não houvesse atraso no metrô, chegaria em tempo hábil.
_ ¿No vas a desayunar, chico? Cuidate, si no enfermás.
_ No puedo, mamá. Como en la escuela.
Chegou bem a tempo de pegar o próximo metrô. Sorte. Entrou, sentou, olhou o relógio e respirou aliviado. Olhou para o lado e... Não podia acreditar! Era ela! Em sua mente, já não era capaz de reconstruir-lhe o rosto com perfeição. Mas agora, ali, ao lado dela, tinha certeza, era ela. O mesmo cabelo a cair-lhe delicadamente pela face, como uma caricia; os mesmos olhos novamente entretidos na leitura, os mesmos lábios entreabertos, abandonados, distraídos.
Precisava falar com ela, urgentemente, pois logo teria de descer e mais uma vez a perderia de vista. Arriscou um “Hola, ¿qué frio, eh?” Que frio? Poderia ter sido mais idiota? Falasse do calor em plena típica manhã de inverno e teria sido mais interessante. Mas ,por sorte, ela era gentil e respondeu-lhe ao cumprimento. “Sí, horrible”.
_¿ Te gusta la literatura?
_ Sí, me encanta. Las artes en general, pero la literatura y la música más.
_ Ah, mira vos. Coincidentemente tengo un examen de literatura hoy, pero a mí no me gusta mucho y, para colmo, estoy retrasado.
_Un bajón. Yo también me estoy yendo a la escuela, pero de canto.
_Ah, !qué lindo!
No fim ela disse que pegava o metrô naquele mesmo horário todas as quartas e sextas-feiras para ir a sua aula, e ele viu aí uma oportunidade de reencontrá-la. Chegou a sua estação. Despediu-se entre nervoso, atrapalhado e feliz, e foi discutir literaturas numa briga que já não importava. Começava a ler a prova e distraía-se com a lembrança do som da voz dela, com a imagem do seu sorriso a dizer-lhe “chau”. Respondeu mal a prova e depois daquela noite mal dormida, sorriu com a certeza de uma nota ruim e caminhou até a estação como se já fosse primavera.
08/08/2012


Nenhum comentário:

Postar um comentário