segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A arte do encontro V

ELA (continuação)
Apaixonara-se pela primeira vez aos seis anos, enquanto tentava soletrar. Parecia-lhe tão fácil soletrar amor. Descobriria um dia que a facilidade da palavra restringia-se à ortografia e à fonologia.
Ele era loiro, tinha olhos verdes, cabelo liso. Exatamente como nas estorinhas... E tinha quase o dobro da idade dela. Provavelmente nunca a vira e eles nunca chegaram a trocar uma só palavra. E, depois de algum tempo, ela o esqueceu. Lembrava-se de algumas características, mas não podia lembrar, nem mesmo com precisão superficial, do rosto dele.
Da segunda vez que ela se apaixonou, tinha dez anos. Cursava agora a quarta série e já vinham-lhe à cabeça as primeiras grandes dúvidas, para as quais, mesmo depois de muito tempo, não encontraria resposta. Um amor em questão era novamente um loiro. Os biotipos dos contos de fada pareciam seguir impregnados em sua mente. Ele tinha uns traços delicados, requintados; parecia meio europeu. Tornaram-se amigos. Conversavam por horas, inclusive durante as aulas, coisa que ela até então nunca fizera. Sempre fora comportadíssima, um exemplo para toda turma. Incutiram-lhe desde cedo uma certa repressão que ela nunca pensara em romper. Obedecia e ponto. Mas agora, simplesmente acontecia. Era tão melhor responder a ele que à professora... Mas ao fim a consciência falou mais alto e ela resolveu separar-se dele para não prejudicar-se.
Um dia ele lhe fez uma declaração de amor, uma cartinha linda. A qual inesperadamente ela disse: não. Era jovem demais, não podia entregar-se ao amor agora.

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