Ele- continuação
Aproximavam-se
as férias de inverno. Nem podia acreditar, mas passava ileso pelas provas. Nenhuma
nota baixa até então, tampouco nada surpreendente, limitava-se a algo acima da
média e o fazia a duras penas. Estudava até muito tarde e, consequentemente,
dormia pouco. Custava-lhe despertar pela manhã. Ao escovar os dentes, não podia
deixar de reparar nas olheiras que lhe estava causando aquela quase uma semana
de tormento. Sentia-se pavoroso. Sabia que era culpado por não ter se
programado com antecedência para estudar. Agora já não importava, dois dias
mais e se acabava o tormento. Chá, biscoitos, mais uma olhadinha no espelho, escola.
Última prova.
Estudar! Língua e Literatura, todos aqueles verbos, todo o desenrolar dos
enredos, tantos nomes... Estava exausto, mas ainda faltava tanto... Entre um
cochilo e outro, acabou dormindo sobre os livros. Acordou pela voz da mãe “Ale,
Ale! Despertate!” olhou o relógio ao lado da cabeceira da cama e levantou-se de
um sobressalto. Dormira muito mais do que deveria, estava atrasadíssimo. Por Deus!
Haveria de ter problemas logo no último dia de prova? Apressou-se, pulou etapas.
Esquece o banho! Lavar o rosto, escovar os dentes, pentear os cabelos, vestir o
uniforme e voar para a escola. Se não houvesse atraso no metrô, chegaria em
tempo hábil.
_ ¿No vas a
desayunar, chico? Cuidate, si no enfermás.
_ No puedo,
mamá. Como en la escuela.
Chegou bem a
tempo de pegar o próximo metrô. Sorte. Entrou, sentou, olhou o relógio e
respirou aliviado. Olhou para o lado e... Não podia acreditar! Era ela! Em sua
mente, já não era capaz de reconstruir-lhe o rosto com perfeição. Mas agora,
ali, ao lado dela, tinha certeza, era ela. O mesmo cabelo a cair-lhe
delicadamente pela face, como uma caricia; os mesmos olhos novamente entretidos
na leitura, os mesmos lábios entreabertos, abandonados, distraídos.
Precisava falar
com ela, urgentemente, pois logo teria de descer e mais uma vez a perderia de
vista. Arriscou um “Hola, ¿qué frio, eh?” Que frio? Poderia ter sido mais
idiota? Falasse do calor em plena típica manhã de inverno e teria sido mais
interessante. Mas ,por sorte, ela era gentil e respondeu-lhe ao cumprimento. “Sí,
horrible”.
_¿ Te gusta
la literatura?
_ Sí, me
encanta. Las artes en general, pero la literatura y la música más.
_ Ah, mira
vos. Coincidentemente tengo un examen de literatura hoy, pero a mí no me gusta
mucho y, para colmo, estoy retrasado.
_Un bajón. Yo
también me estoy yendo a la escuela, pero de canto.
_Ah, !qué
lindo!
No fim ela
disse que pegava o metrô naquele mesmo horário todas as quartas e sextas-feiras
para ir a sua aula, e ele viu aí uma oportunidade de reencontrá-la. Chegou a
sua estação. Despediu-se entre nervoso, atrapalhado e feliz, e foi discutir
literaturas numa briga que já não importava. Começava a ler a prova e
distraía-se com a lembrança do som da voz dela, com a imagem do seu sorriso a
dizer-lhe “chau”. Respondeu mal a prova e depois daquela noite mal dormida,
sorriu com a certeza de uma nota ruim e caminhou até a estação como se já fosse
primavera.
08/08/2012