No final do
ano, ganhou uma bicicleta. Passou a ver o mundo de uma forma mais acelerada e por
algum tempo, passou a não ter tanta atenção com o meio, como se observasse o
mundo a pedaladas, encerrado na euforia do corpo a mover-se, na perspectiva de
uma nova esquina, de um cruzamento perigoso, de um beco no meio do quarteirão. Até
sentir falta de passos lentos e olhares atentos.
Tinha agora
quinze anos, o rosto de menino estava mudando,ia tomando formas viris. Os pelos
começavam a incomodar, já não se reconhecia no espelho. Quem era o tal ali do
outro lado? Era bonito, feio? Encarava-se, fixava-se na intenção de
encontrar-se em algum momento. Era jovem, disso ele sabia. Muito jovem. Uma vida
nas mãos, um caminho sem pegadas, sem rastros. Páginas, muitas páginas... Escova,
creme dental. Mais uma olhadinha. É, parece ser mesmo ele. Hora de ir.
No caminho
até a estação de metrô, tentava organizar os pensamentos. Iniciava o ensino médio,
iniciavam-se muitas dúvidas. Profissão, cabelo curto, cabelo longo, barba e o
que haverá de almoço.
Era por
meados de março, e o dia estava lindo. O super calor do verão havia partido. O sol
brilhava imponente, mas soprava uma brisa doce só interrompida pela entrada na estação.
Sob todo o concreto o lugar fervilhava. Comprou bilhete para duas viagens e foi
acomodar-se no terceiro vagão. Olhava de forma desatenta ao redor, o olhar
automatizado de quem se acostuma à repetição. Todos os dias acordar cedo,
preparar-se para ir à escola, cumprir as tarefas diárias. Tudo sempre igual. As
mesmas ruas percorridas, as mesmas caras no metrô, as mesmas... han? Uma cara
nova, uma linda cara nova com longos cabelos negros que lhe caíam sobre as
espáduas e delicadamente sobre o rosto, numa franja que quase lhe cobria os
olhos. Tinha aparentemente a mesma idade dele, com o mesmo ar de quem se sabe
jovem. Lia despreocupadamente um livro, indiferente ao olhar do nosso herói ali
adiante. Ele tentava olhá-la de maneira disfarçada, mas perdia-se como
hipnotizado em alguns momentos. E, tão logo, hora de descer. Ela se fora. Para sempre?
Andou por todo o quarteirão lembrando-se de cada detalhe do rosto dela: os
olhos amendoados, a boca bem feita e entreaberta num gesto distraído, a pele
branca. Linda, linda.
Esteve toda a
manhã sem conseguir concentrar-se na aula. Enquanto a professora flexionava verbos
e ditava regras, ele desenhava traços que imitavam um rosto feminino e escrevia
palavras soltas que só ele entendia.
Foi para casa
sem pensar no almoço e comeu como se já tivesse comido.
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