quarta-feira, 18 de julho de 2012

A arte do encontro XII - Ele


No final do ano, ganhou uma bicicleta. Passou a ver o mundo de uma forma mais acelerada e por algum tempo, passou a não ter tanta atenção com o meio, como se observasse o mundo a pedaladas, encerrado na euforia do corpo a mover-se, na perspectiva de uma nova esquina, de um cruzamento perigoso, de um beco no meio do quarteirão. Até sentir falta de passos lentos e olhares atentos.
Tinha agora quinze anos, o rosto de menino estava mudando,ia tomando formas viris. Os pelos começavam a incomodar, já não se reconhecia no espelho. Quem era o tal ali do outro lado? Era bonito, feio? Encarava-se, fixava-se na intenção de encontrar-se em algum momento. Era jovem, disso ele sabia. Muito jovem. Uma vida nas mãos, um caminho sem pegadas, sem rastros. Páginas, muitas páginas... Escova, creme dental. Mais uma olhadinha. É, parece ser mesmo ele. Hora de ir.
No caminho até a estação de metrô, tentava organizar os pensamentos. Iniciava o ensino médio, iniciavam-se muitas dúvidas. Profissão, cabelo curto, cabelo longo, barba e o que haverá de almoço.
Era por meados de março, e o dia estava lindo. O super calor do verão havia partido. O sol brilhava imponente, mas soprava uma brisa doce só interrompida pela entrada na estação. Sob todo o concreto o lugar fervilhava. Comprou bilhete para duas viagens e foi acomodar-se no terceiro vagão. Olhava de forma desatenta ao redor, o olhar automatizado de quem se acostuma à repetição. Todos os dias acordar cedo, preparar-se para ir à escola, cumprir as tarefas diárias. Tudo sempre igual. As mesmas ruas percorridas, as mesmas caras no metrô, as mesmas... han? Uma cara nova, uma linda cara nova com longos cabelos negros que lhe caíam sobre as espáduas e delicadamente sobre o rosto, numa franja que quase lhe cobria os olhos. Tinha aparentemente a mesma idade dele, com o mesmo ar de quem se sabe jovem. Lia despreocupadamente um livro, indiferente ao olhar do nosso herói ali adiante. Ele tentava olhá-la de maneira disfarçada, mas perdia-se como hipnotizado em alguns momentos. E, tão logo, hora de descer. Ela se fora. Para sempre? Andou por todo o quarteirão lembrando-se de cada detalhe do rosto dela: os olhos amendoados, a boca bem feita e entreaberta num gesto distraído, a pele branca. Linda, linda.
Esteve toda a manhã sem conseguir concentrar-se na aula. Enquanto a professora flexionava verbos e ditava regras, ele desenhava traços que imitavam um rosto feminino e escrevia palavras soltas que só ele entendia.
Foi para casa sem pensar no almoço e comeu como se já tivesse comido.

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