domingo, 22 de julho de 2012

A arte do encontro XIII

Ele - continuação

Alguns dias se passaram e a lembrança da garota não se havia desvanecido. Pensava nela durante o banho, momentos antes de dormir, na hora de estudar. Sua concentração não era das melhores e a recordação daquele rosto martelando em sua mente em nada o ajudava.
A mãe já notara algo diferente em seu comportamento. Tentava conversar, entender o que se passava. Ele não lhe dava espaço, esquivava-se. Há algum tempo deixara de gostar de compartilhar certas coisas com a mãe, eram somente suas e só a ele interessava, afinal, já não era criança.
Ele temia esquecer-se das feições da menina. Conforme os dias se passavam, ia se tornando cada vez mais difícil reconstruir cada detalhe daquele rosto. Atordoava-lhe a ideia da perda de uma lembrança que era a única coisa que pudera guardar dela. Mas não era fácil manter nítida aquela recordação, sua memória não era tão boa e não a havia visto por muito tempo, para piorar, fora uma única vez.
Depois de mais alguns dias, começou a considerar a ideia de que esquecê-la seria, na verdade, o melhor a fazer. Ela era linda e o impressionara, mas de que lhe servia? Custava-lhe energia mantê-la acesa em sua mente e roubava-lhe ânimo das tarefas diárias, dos estudos. Precisava focar-se nas coisas que realmente faziam parte de sua vida e lançar ao esquecimento essa lembrança insana a desviar-lhe as metas. Para que desperdiçar tanta energia com alguém completamente indiferente à sua existência e que talvez nunca tornasse a ver? Esquecer, esquecer, esquecer!
Esqueceu? Os dias foram chegando a passos lentos, trazendo uma brisa mais fria, anunciando o outono com seus tons pastéis. Ele fixava-se em coisas mais importantes, observava a realidade em redor e fazia reflexões sobre si e o seu entorno. Cobrava-se. Precisava estudar. O período de provas se aproximava e sua distração, por quase um mês, o havia prejudicado. Mas o pensamento logo lhe fugia e aproveitava o tempo ameno e a brisa doce para passear pela cidade, sentar-se em algum parque, deitar-se na grama, perder-se em pensamentos que nada tinham a ver com gramática ou aritmética. Viajava por longos momentos em sua mente, esquecia-se a contemplar partes do próprio corpo. As mãos... como cresciam e pareciam nem ser dele. Às vezes, tocava-se no rosto na intenção de sentir ser ele mesmo a tocar-se. Aborrecia-se ao sentir, raramente, alguma mínima imperfeição, uma pequena espinha, um cravo. Embora tivesse sorte, pois nem mesmo o auge da adolescência tinha-lhe estragado a pele, mudava de humor se notava algo e lhe saltava dos lábios um palavrão, pequena mostra de sua relação com a vaidade. Porém, logo se distraía com grupos de garotas que passavam em suas minissaias ou em seus jeans desconcertantes.
Os hormônios eram outro ponto a driblar na sua luta para manter-se concentrado. No auge dos seus quinze anos, eles lhe gritavam ao ouvido, e, às vezes, entre tantas saias e jeans apertados, era necessário voltar para casa e calá-los com um banho frio. E em meio à água a escorrer-lhe pelo corpo, vez em quando lhe vinha a lembrança doce que, às vezes, teimava em tornar-se sensual, de um cabelo a resvalar por uma face branca e de uns lábios entreabertos a esperar por um beijo.
19/07/2012

quarta-feira, 18 de julho de 2012

A arte do encontro XII - Ele


No final do ano, ganhou uma bicicleta. Passou a ver o mundo de uma forma mais acelerada e por algum tempo, passou a não ter tanta atenção com o meio, como se observasse o mundo a pedaladas, encerrado na euforia do corpo a mover-se, na perspectiva de uma nova esquina, de um cruzamento perigoso, de um beco no meio do quarteirão. Até sentir falta de passos lentos e olhares atentos.
Tinha agora quinze anos, o rosto de menino estava mudando,ia tomando formas viris. Os pelos começavam a incomodar, já não se reconhecia no espelho. Quem era o tal ali do outro lado? Era bonito, feio? Encarava-se, fixava-se na intenção de encontrar-se em algum momento. Era jovem, disso ele sabia. Muito jovem. Uma vida nas mãos, um caminho sem pegadas, sem rastros. Páginas, muitas páginas... Escova, creme dental. Mais uma olhadinha. É, parece ser mesmo ele. Hora de ir.
No caminho até a estação de metrô, tentava organizar os pensamentos. Iniciava o ensino médio, iniciavam-se muitas dúvidas. Profissão, cabelo curto, cabelo longo, barba e o que haverá de almoço.
Era por meados de março, e o dia estava lindo. O super calor do verão havia partido. O sol brilhava imponente, mas soprava uma brisa doce só interrompida pela entrada na estação. Sob todo o concreto o lugar fervilhava. Comprou bilhete para duas viagens e foi acomodar-se no terceiro vagão. Olhava de forma desatenta ao redor, o olhar automatizado de quem se acostuma à repetição. Todos os dias acordar cedo, preparar-se para ir à escola, cumprir as tarefas diárias. Tudo sempre igual. As mesmas ruas percorridas, as mesmas caras no metrô, as mesmas... han? Uma cara nova, uma linda cara nova com longos cabelos negros que lhe caíam sobre as espáduas e delicadamente sobre o rosto, numa franja que quase lhe cobria os olhos. Tinha aparentemente a mesma idade dele, com o mesmo ar de quem se sabe jovem. Lia despreocupadamente um livro, indiferente ao olhar do nosso herói ali adiante. Ele tentava olhá-la de maneira disfarçada, mas perdia-se como hipnotizado em alguns momentos. E, tão logo, hora de descer. Ela se fora. Para sempre? Andou por todo o quarteirão lembrando-se de cada detalhe do rosto dela: os olhos amendoados, a boca bem feita e entreaberta num gesto distraído, a pele branca. Linda, linda.
Esteve toda a manhã sem conseguir concentrar-se na aula. Enquanto a professora flexionava verbos e ditava regras, ele desenhava traços que imitavam um rosto feminino e escrevia palavras soltas que só ele entendia.
Foi para casa sem pensar no almoço e comeu como se já tivesse comido.