quarta-feira, 11 de abril de 2012

A arte do encontro XI

ELE (continuação)
Apaixonou-se pela primeira vez aos dez anos, mas não confessava nem para si aquela paixão. Não entendia muito bem o que era paixão, amor, não entendia. Buscava em seus pensamentos a explicação para aquela sensação de vibração no estômago cada vez que se aproximava o momento de vê-la e para aquele desconforto na cabeça e no coração cada vez que seus olhos a tocavam. Estaria doente? Precisaria de um médico?
Passou a isolar-se, martelando a cabeça com tentativas vãs de entender e acabar com aquele turbilhão de sensações desconfortáveis. Começou a observar tudo ao redor, e pouco a pouco foi juntando pistas para explicar para si de que se tratava sua tal enfermidade. Por fim, acabou por entender tudo em um filme. O personagem apresentava os mesmos sintomas que ao fim pioraram quando ele se envolveu em um beijo profundo que terminou em confissões adocicadas. Estaria ele apaixonado?! Não, não podia. Garoto demais. Tantas outras coisas por fazer. Tantas guerras imaginárias ainda por lutar. Precisava ajudar a resgatar as Malvinas. Estava... agora sabia. Sabia mas não confessaria. Que tipo de garoto se apaixona aos dez anos de idade? Seus amigos ririam de sua cara se soubessem. Que idiota ele era...
Descoberta a doença, tratou de combatê-la, e como não havia fórmula pronta, ele mesmo preparou a receita e iniciou o tratamento. A estratégia era combater os sintomas, se pudesse fazê-los desaparecer, se sentiria curado. Solução: não vê-la mais. Difícil... estudavam na mesma escola, embora em salas diferentes. Precisava fugir dos encontros nos horários comuns: entrada, saída, recreio.
Chegou propositalmente atrasado no primeiro dia após o plano, e para seu pesar, ela também se atrasara. Foi aquele turbilhão de sensações outra vez. Deus, como não olhar para ela? Ela sorria com o rosto inteiro, os olhos brilhavam o cabelo caia-lhe delicadamente sobre a face. Era toda ela um encanto, parecia uma princesa das historias que ouvia no jardim de infância. Perdia-se mirando-a, imaginando-a junto de si em brincadeiras ainda muito inocentes.
Nesse dia não foi para o recreio. Ficou na sala brincando com seus bonecos, inventando uma guerra. Os dias seguintes seguiram-se iguais: ele não saia no recreio, chegava antes de todos à sala e era sempre o último a sair.
A garotinha loira de olhos cor de mel passou a sentir falta de um bonito garoto que sempre a olhava de um jeito que lhe parecia meio engraçado. Não sabia por que, mas gostava quando ele estava por perto. Por onde andaria ele...
Alguns meses se passaram e chegaram as férias de verão. Ele já não pensava tanto nela. Algumas vezes lhe vinha alguma lembrança; não podia esquecer o jeito como ela sorria. Mas sentia-se muito mais tranqüilo agora. Sua enfermidade estava controlada.
No dia de retorno à escola, voltou a sentir-se estranho. As horas que antecederam a sua ida ao colégio foram-lhe insuportáveis. Olhava o relógio digital sobre o criado mudo, roia as unhas, balançava as pernas, numa espera torturante até a hora de partir. Ao fim, resolveu ir na hora certa, sabia que a encontraria logo na entrada e que todos os sintomas voltariam, que se sentiria outra vez perdido. Não importava, precisava reencontrá-la, rever os olhos amendoados, o sorriso doce. . .
Chegou à hora pontual. Olhou ao redor, não a viu. Buscou-a com o olhar por todos os lados, tocou o sinal e ele não a encontrou. Atrasara-se? Faltara? Não sabia.
Não pôde concentrar-se na aula. Pensava nela: haveria chegado? Na hora do intervalo voltou a procurá-la, andou por toda parte, inútil. Ela não estava. Pôs-se a se perguntar que haveria acontecido. Em todo o primeiro semestre de aulas ela não faltara uma só vez, por que faltaria agora? Quedou-se assim com os pensamentos a dar-lhe voltas, atordoá-lo, e assim permaneceu por longos dias. Todos os dias a mesma busca, o mesmo sentimento medonho a corroer-lhe o peito e a mesma sensação angustiante de nada poder fazer. Assim foram se passando os dias, até que tornaram-se menos longos e ele voltou a ver alguma graça nas suas brincadeiras infantis com gigantescas batalhas imaginárias. Só pela manhã vinha-lhe, às vezes, alguma lembrança quando a mãe lhe trazia amêndoas no café, mas logo se ia desvanecendo e ele voltava a ser o menino comum que nunca deveria ter deixado de ser.
A milhares de quilômetros dali, ao sul do país, uma menina doce, de longos cabelos loiros e olhos amendoados sorria para o garoto de cabelos compridos que a olhava na entrada da escola e pensava: por onde andaria o garoto bonito da outra escola, que a olhava de forma tão terna. Que saudade sentia daquele olhar...