domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sábado à noite, tudo pode mudar?


"Amanhã eu não vou nem lembrar", uma lágrima veio brincar em seu olhar naquele momento, ameaçando-lhe rolar pela face. Mas ela já aprendera a suprimir o choro e como em muitas outras vezes, engoliu em seco e quedou-se ali, pensando, a única expressão possível foi um riso irônico que lhe saía, às vezes, assim, meio nervoso, meio maquiado.
Quantas bocas havia beijado ele até então? Tantas que ela já perdera a conta. Porém, agora, ele estava ali, com uma voz doce, com seu charme meio natural, meio aprendido e, naquele momento, era só a ela que ele queria, ela em sua face mais instintiva.
Ele a tocava vez em quando, no princípio com um ar desinteressado, como um acaso, depois de forma explícita. Cada vez que o toque quente dele tocava-lhe a pele, ela estremecia amedrontada e excitada. Resistia-lhe de forma enérgica. A idéia de ser mais uma em seus braços repugnava-a. Entre medo, asco e desejo que transpiravam dela, ele a tomou em seus braços num beijo tórrido, nervoso, como quem doma uma fera que teima em não ser domesticada.
Ela não queria gostar, aquilo lhe era inconcebível, mas ele vinha, cada vez mais atrevido, mais confiante, como se lhe conhecesse o pensamento, como se lhe houvesse mapeado o corpo. Ela lutava entre um querer e não querer que teimava em ser apenas querer, um querer que lhe feria os princípios conquistados com um sofrer silencioso.
Há quanto tempo ela não era tocada... Ele nem poderia imaginar. A realidade de experiências amargas a fizera paradoxalmente ir de encontro ao seu discurso feminino, conquistado a custa de sutiãs queimados em praça pública. Sim, ela já percebera que os direitos por elas conquistados nessa esfera, mais funcionavam contra ela que a seu favor, e que, por mais prazer "free way" que ela pudesse sentir, na hora de dormir, a cama dela estava sempre vazia, e ela adormecia entre seus livros e suas próprias roupas. Ele conhecia o paradoxo e utilizava o discurso aparentemente a favor das mulheres para confundi-la, desarmá-la. Como ela tão moderna poderia estar aprisionada aos velhos conceitos sociais? Ela não estava, estava presa às próprias experiências, dúvidas e próprios anseios.Como explicar isso a ele? Na situação já tão avançada em intimidade, não cabia intimidade desse tipo. Melhor fazer-se de antiquada, mas isso ela também não conseguia.
Ela foi aos poucos entregando-se, a sensação da língua molhada e macia a percorrer-lhe o corpo apagava-lhe os pensamentos, desfazia-lhe as sinapses e o corpo simplesmente respondia explosivo, como a sua essência não podia negar. Entre intervalos voltava-lhe a sanidade, perturbadora, e ela voltava ao início. Ele a desejava com um desejo imponente, urgente; já desenhara todo o corpo dela com as mãos, com a língua, e o cheiro e o gosto dela faziam-lhe o desejo ainda mais insaciável. Precisava entrar nela, marcá-la. Mas isso ela não podia, as lembranças de outrora e a imagem dele a provar outros beijos ecovam em sua mente numa renúncia inflexível.
Ela o magoou, ele a magoou de volta, ela fugiu sentindo-se rejeitada, ele adormeceu com um sentimento que ela não podia decifrar. Pela manhã, não houve beijo de bom dia e ela teve a certeza de que fizera o certo; certeza que se confundiu depois quando mesmo assim se sentiu como antes. Ele despediu-se numa despedida fria e ela foi adormecer mais tarde entre seus livros e suas próprias roupas.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011


que palavras devem ser ditas numa noite de verão?
que palavras quererás escutar numa noite de inverno?
que cara deverá ter a voz que as pronuncia?
que gosto precisa ter o beijo que dura mais de uma estação?
ansiosa por palavras sopradas com doçura, espero inerte que tenham cheiro de primavera, que exalem o calor do verão, que sejam aconchegantes como o inverno e que precisem ser recolhidas com carinho como as folhas que caem no outono.